I Simpósio Internacional
Instituto Brasileiro de Direito Bancário
(IBDB)
Sao Paulo, 3-7/03/1998
Contra as crises, a Justiça
I Simpósio Internacional aponta necessidade de submeter ao império do Direito os
mercados financeiros e sistemas bancários
A voz baixa e a dicção serena do professor Giovanni Iudica, da Universidade Luigi
Bocconi, de Milão, não foram capazes de abafar o eco do alerta que ele lançou em São
Paulo no dia 5 de março de 1998, ao participar como conferencista no I Simpósio
Internacional de Direito Bancário. "Os juristas abdicaram dos mercados, e os
entregaram às mãos dos economistas", advertiu Iudica. Em seguida, lembrou:
"Enquanto esta abdicação não terminar, não será possível organizar um sistema
financeiro que tenha caráter ético e moral". Por fim, lançou a proposta:
"Quando se fala em globalização dos mercados, é preciso pensar em algum tipo de
globalização jurídica".
Ao longo dos quatro dias que durou o Simpósio, dezenas de palestrantes traçaram um
riquíssimo painel sobre os notáveis avanços alcançados pelo Direito Bancário em todo
o mundo. O problema que Iudica expôs de forma explícita fazia parte das preocupações
de quase todos os conferencistas. Num mundo de mercados financeiros globalizados, cresce a
cada dia a necessidade de criar legislações que coloquem o conjunto do sistema sob o
império da lei. É a única forma tanto de assegurar a proteção dos consumidores quanto
de evitar desajustes e crises financeiras cuja virulência parece ter aumentado, à medida
em que se torna mais fácil movimentar eletronicamente somas gigantescas.
Durante os debates travados no Simpósio, e sempre com base nas conquistas já
alcançadas pelo Direito Bancário em todo o mundo, foram se definindo os principais
objetivos que é preciso perseguir, no esforço de estabelecer mecanismos de controle
jurídico sobre os mercados financeiros.
O livro que você tem em mãos foi produzido por Carta Maior Publicações e
Promoções, a organizadora do evento. Ele registra, na íntegra e na língua em que
cada uma foi proferida, o conjunto das conferências apresentadas. O resumo que se segue
é um primeiro guia de leitura: ele registra as idéias que mais marcaram os debates,
despertando a curiosidade e provocando intervenções dos participantes.
A marcha do Direito Bancário prossegue. Estão adiantados os trabalhos de preparação
do II Simpósio Internacional, que deverá realizar-se na Itália, em 1999. As
palestras contidas nesse livro são um excelente material para preparar-se para o evento.
Fique com elas. Boa leitura e até breve!
Joaquim Ernesto Palhares
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Bancário (IBDB)
1. De mercado selvagem a mercado regulado
Uma nuvem de vários trilhões de dólares ronda o planeta. Essa imensa massa de
recursos poderia contribuir para criar, em todo o mundo, sistemas de crédito que
alavancassem a produção de bens e serviços. Enquanto permanecer sem controle, no
entanto, ela é uma ameaça constante de crises financeiras cada vez mais graves. O
primeiro grande desajuste vitimou o México, em 1994. O segundo começou na Ásia no
segundo semestre do ano passado, e seu potencial de contágio permanece desconhecido (veja
matéria na página 6).
A Mesa 1 do I Simpósio debateu em profundidade o domínio crescente que as
finanças globalizadas exercem sobre a economia de todos os países. Intervenções como a
do professor Robert Guttmann (da Universidade de Hofstra) demonstraram que os avanços da
informática e da transmissão de dados permitiram aos mercados financeiros exercer
pressões cada vez maiores sobre as nações.
Sujeitas ao risco de movimentos de capitais capazes de provocar crises cambiais quase
instantâneas, elas são obrigadas a adotar as políticas que interessam aos grandes
investidores. As conseqüências são gravíssimas. Para satisfazer o apetite dos
mercados, os países em desenvolvimento (hoje chamados de "mercados emergentes")
têm elevado as taxas de juros e tornado o acesso ao crédito cada vez mais custoso e
incerto. Embora mais poderosas, as chamadas "economias desenvolvidas" debatem-se
com a fragilidade dos bancos centrais diante dos fluxos cada vez maiores de capital
especulativo, e do potencial desestabilizador dessas movimentações financeiras.
Diversos fóruns internacionais têm debatido formas de controle global das sociedades
sobre essas movimentações. Entre as alternativas mais ousadas, destaca-se a proposta da
Taxa Tobin. Proposta nos anos 70 pelo norte-americano Thomas Tobin, Prêmio Nobel de
Economia, ela implicaria em submeter todas as transações financeiras a um imposto
universal. Ainda que a alíquota fosse reduzida, a taxação desestimularia as
movimentações constantes. Além disso, os recursos arrecadados constituiriam um fundo
internacional, gerido por organismos como a ONU, para o combate à miséria.
2. Mecanismos modernos de defesa do consumidor
Nas sociedades modernas, o crédito tornou-se indispensável para assegurar aos
indivíduos e às empresas sobrevivência econômica. O agigantamento dos bancos, contudo,
deu-lhes poder para impor condições leoninas a quase todos os clientes. Diante dessa
contradição, as sociedades não têm outra alternativa exceto estabelecer mecanismos
jurídicos que coíbam as práticas abusivas do sistema financeiro, e amparem o consumidor
de crédito.
O I Simpósio constatou a disseminação desses mecanismos por toda parte. Segundo os
conferencistas, alguns dos principais instrumentos adotados são:
* Definição do cliente do sistema financeiro como parte vulnerável, o que
permite, em diversas legislações, inverter o ônus da prova sempre que houver indícios
de abusos;
* Possibilidade de revisão judicial dos contratos, mesmo que firmados
expressamente, sempre que ferirem a legislação nacional ou que estabelecerem vantagem
excessiva em favor da instituição financeira;
* Direito das Associações de Consumidores moverem ações contra cláusulas
abusivas, e alcançarem a reparação dos prejuízos sofridos pelo conjunto de seus
associados
* Cláusula da "força maior social", adotada pioneiramente na
Finlândia. Permite ao cliente do banco reivindicar a renegociação de contratos de
crédito, em virtude de fatos como desemprego ou aumento de despesas familiares causado
pelo divórcio.
3. Garantia permanente de ampla concorrência
Num setor econômico que tende naturalmente à oligopolização, uma medida essencial
para proteger os direitos do consumidor é garantir, através de medidas legais, a
concorrência. Essa noção foi expressa com ênfase particular pelos conferencistas
italianos, que relataram o importante processo de descartelização vivido por seu país
nos últimos anos.
Adotada nos anos 30, a legislação que prevalecia até o início desta década havia
instituído um sistema essencialmente oligopolístico. Os poucos bancos autorizados a
funcionar haviam imposto aos consumidores taxas de juros elevadas, tarifas altas e
serviços sofríveis. Adotava, além disso um conjunto de Normas Bancárias Uniformes (as
NBUs) repletas de cláusulas abusivas.
O panorama alterou-se rapidamente quando a legislação italiana passou a acolher as
diretivas da União Européia sobre o sistema financeiro. O mercado abriu-se para
instituições de todo o mundo. As novas leis estabeleceram, além disso, medidas para
impedir que os bancos adotassem práticas de cartel, oferecendo produtos e condições
idênticos ou apenas aparentemente distintos. A concorrência real que se estabeleceu
trouxe resultados rápidos. As taxas de juros e as tarifas caíram, e houve clara melhora
nos serviços prestados.
4. Responsabilidade civil e penal do banqueiro
Os bancos devem ser responsabilizados, tanto civil quanto penalmente, pela má
concessão de crédito. Durante o I Simpósio, que debateu esta questão em duas mesas
específicas de debate, foi especialmente apreciado o relato da experiência da França,
talvez a mais avançada.
A legislação francesa permite responsabilizar os banqueiros em pelo menos duas
situações. A interrupção abrupta e imotivada de um contrato de crédito, que provoca a
iliquidez de uma empresa pode ser punida. Além disso, os bancos respondem por prejuízos
que causam a terceiros, quando concedem créditos e portanto aparência de
solvabilidade a empresas cuja situação financeira está comprometida. É
exatamente o que ocorreu, no Brasil, em casos como o da construtora Encol.
5. Completa transparência nas relações com o público
Num país onde os bancos chegaram a constituir instrumentos como o Serasa, através
cortam sumariamente o crédito de pessoas e empresas sem sequer comunicá-las despertaram
atenção os relatos de diversos palestrantes sobre os avanços alcançados no sentido de
garantir ampla transparência nos procedimentos do sistema financeiro. Eis alguns deles:
* Na Itália, onde os bancos também multiplicaram a variedade de serviços prestados,
para ampliar receitas, nenhum novo "produto" financeiro pode ser fornecido aos
clientes sem assinatura de contratos. Além disso, os contratos devem ser escritos em
linguagem compreensível pelo cliente comum, sob pena de nulidade.
* Na Inglaterra, também passou a vigorar há anos cláusula que exige contratos
redigidos em linguagem acessível. Os órgãos que coíbem comércio desleal já
impugnaram 3 mil tipos de cláusulas que feriam este dispositivo.
|